Nesse primeiro artigo da série “A História do Cristianismo” vamos entregar uma breve análise panorâmica sobre os primeiros séculos da fé cristã, cobrindo desde o período intertestamentário até o Édito de Milão em 313 d.C. Este artigo examina os fatores históricos que prepararam o terreno para a expansão do cristianismo e mostra como a igreja primitiva se organizou para enfrentar desafios externos e internos.
1. A História do Cristianismo: Preparando o Cenário para o Evangelho
O Silêncio de Deus e a Expectativa do Messias
O período intertestamentário, de cerca de 400 anos entre o profeta Malaquias e o surgimento de João Batista, é conhecido como o “período do silêncio profético”. Ainda que não tenha havido profetas canônicos reconhecidos durante esse tempo, ele esteve longe de ser espiritualmente inativo. Durante esses séculos, o povo judeu enfrentou invasões, dominações estrangeiras e profundas transformações políticas e religiosas — eventos que aumentaram o clamor por um libertador prometido.
A opressão dos impérios — primeiro pelos persas, depois pelos gregos, e por fim pelos romanos — intensificou a esperança messiânica. As promessas do Antigo Testamento, especialmente as ligadas a um rei davídico que restauraria Israel, eram lidas com renovado anseio. Nesse período, surgiram diversos movimentos apocalípticos e sectários, como os essênios e os fariseus, cada um tentando interpretar a vontade de Deus naquele tempo de “silêncio”. Esse contexto de fervor religioso e sede por libertação formou um solo fértil para o surgimento de uma mensagem messiânica como a de Jesus.
A Influência do Helenismo
Com as conquistas de Alexandre, o Grande (século IV a.C.), o mundo antigo passou por uma intensa helenização. Assim, a filosofia, o teatro, a educação e a arquitetura gregas moldaram profundamente a cultura dos povos dominados. Entre os efeitos dessa influência, uma das consequências mais duradouras foi o uso quase universal do grego koiné — uma versão popular do grego clássico — que se tornou a língua franca em vastas regiões do Império. Logo, pessoas de diferentes nações podiam se comunicar, ler e ouvir mensagens em uma mesma língua — uma condição providencial para a futura propagação do evangelho.
De igual modo, a tradução da Bíblia hebraica para o grego, conhecida como Septuaginta (LXX) — feita entre os séculos III e II a.C. — teve enorme impacto. Graças a ela, judeus da diáspora e gentios tementes a Deus puderam ter acesso às Escrituras. Assim, muitos dos primeiros convertidos ao cristianismo fora da Palestina tiveram seu primeiro contato com as promessas messiânicas por meio dessa tradução. Além disso, muitos textos do Novo Testamento trazem citações diretamente do texto grego da Septuaginta, demonstrando sua influência na teologia cristã nascente.
O Papel do Império Romano
Com a ascensão de Roma como potência dominante no Mediterrâneo, a história do cristianismo presenciou o início de um novo capítulo no contexto político e social da região. A chamada Pax Romana, instaurada por Augusto no fim do século I a.C., trouxe estabilidade, segurança e eficiência administrativa. Nesse cenário favorável, a comunicação, o comércio e as viagens foram significativamente facilitados, o que viria a beneficiar os primeiros cristãos em suas jornadas missionárias.
Além disso, Roma também construiu uma vasta e sofisticada rede de estradas, interligando províncias distantes e permitindo o deslocamento relativamente rápido e seguro de pessoas e informações. Desse modo, essas estradas se tornaram literalmente os caminhos pelos quais os apóstolos e evangelistas caminharam levando a mensagem cristã.
O sistema jurídico romano também ofereceu certa proteção legal, especialmente nos primeiros anos da igreja. O fato de o apóstolo Paulo ser cidadão romano lhe concedeu direitos que lhe permitiram, por exemplo, apelar a César (Atos 25:11). Esse contexto institucional permitiu que, mesmo diante das perseguições, o cristianismo encontrasse meios de resistir e crescer.
A Diáspora Judaica e as Sinagogas
Outro fator histórico importante para a história do cristianismo foi a dispersão dos judeus pelo mundo romano. A diáspora criou comunidades judaicas em grandes centros urbanos como Alexandria, Éfeso, Corinto e Roma. Em cada uma dessas cidades, sinagogas serviam como centros de culto, ensino e leitura das Escrituras. Essas comunidades funcionaram como uma ponte cultural entre o judaísmo e os gentios.
Os missionários cristãos, como Paulo, frequentemente iniciavam sua pregação nessas sinagogas, encontrando ali ouvintes familiarizados com o Antigo Testamento e com a esperança messiânica. A partir desse ponto, a mensagem se expandia para os gentios, formando assim comunidades mistas de crentes judeus e não judeus.
2. A Expansão do Cristianismo: De Jerusalém ao Mundo Gentio
A Promessa Universal do Evangelho
A história do cristianismo nasce em solo judeu, em Jerusalém, como o cumprimento das promessas feitas por Deus ao povo de Israel. A mensagem inicial dos apóstolos era clara: Jesus de Nazaré era o Messias esperado, aquele que cumpria as profecias do Antigo Testamento. No entanto, desde o início, o evangelho carregava um impulso missionário universal; para além do povo judeu. A própria comissão de Jesus, antes de sua ascensão, foi clara: “ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16:15).
Um marco decisivo foi a visão concedida a Pedro em Atos 10, em que Deus o instrui a não considerar impuros os que Ele havia purificado. Isso preparou Pedro para visitar Cornélio, um centurião romano temente a Deus. A conversão de Cornélio e de sua casa ao cristianismo, acompanhada da descida do Espírito Santo, foi um divisor de águas: o evangelho não era apenas para os judeus, mas também para os gentios. Esse episódio legitimou, diante da igreja primitiva, a missão entre os povos e estabeleceu a universalidade do Reino de Deus.
O Impacto de Paulo e suas Viagens Missionárias
Entre os maiores agentes da expansão do cristianismo está o apóstolo Paulo, popularmente, em sua época, conhecido como Saulo de Tarso. Antigo perseguidor da igreja, ele teve um encontro dramático com Cristo no caminho de Damasco e foi transformado em um incansável missionário. Sua vocação era clara: levar o evangelho aos gentios (Atos 9:15; Gálatas 2:7-9).
As três grandes viagens missionárias de Paulo, registradas no livro de Atos, levaram o cristianismo para regiões estratégicas, como Ásia Menor, Macedônia e Grécia. Em especial, cidades influentes como Éfeso, Corinto, Filipos e Tessalônica tornaram-se centros de comunidades cristãs. Nessas localidades, Paulo pregava tanto em sinagogas quanto em espaços públicos, reunindo judeus e gentios convertidos.
Além de suas pregações, as cartas de Paulo (epístolas) desempenharam um papel fundamental no fortalecimento das igrejas locais. Essas cartas foram essenciais para ensinar doutrinas cruciais da fé cristã, corrigir erros e incentivar a perseverança diante das perseguições. Além disso, sua teologia sobre a justificação pela fé, a união com Cristo e a nova vida no Espírito formaram a base do entendimento cristão.
Uma Missão que Avança nas Margens do Império
A história do cristianismo é construída nas margens do império. Paulo e seus companheiros utilizaram as vantagens oferecidas pelo Império Romano para levar o cristianismo adiante:
- A língua comum (grego koiné);
- As rotas comerciais;
- A cidadania romana;
- Os centros urbanos;
- E as sinagogas dispersas pela diáspora judaica.
Essa estratégia possibilitou um crescimento rápido e abrangente. A fé cristã, inicialmente localizada na Palestina, logo se espalhou por todo o mundo mediterrâneo.
3. A História do Cristianismo e os Anônimos: O Papel das Pessoas Comuns
Apesar do destaque dos apóstolos e missionários conhecidos, a história do cristianismo não foi protagonizada apenas por figuras de proa. Pelo contrário, o verdadeiro crescimento da igreja ocorreu através de cristãos comuns, que levavam sua fé consigo enquanto trabalhavam, viajavam ou se refugiavam da perseguição. A fé se espalhava mais pelo cotidiano do que pelos púlpitos.
Muitos desses evangelistas eram comerciantes, soldados romanos, artesãos, mulheres donas de casa, escravos libertos e cidadãos comuns. Eles compartilhavam o evangelho em praças, mercados, casas e estradas — não com discursos elaborados, mas por meio do testemunho de vidas transformadas.
As reuniões nas casas (igrejas domésticas) foram fundamentais nesse processo. Sem templos eclesiásticos nos primeiros séculos, os lares se tornaram lugares de culto, ensino e comunhão. Isso gerava uma fé profundamente relacional e comunitária, onde o amor ao próximo era visível e prático.
Mesmo em meio a perseguições, esses cristãos perseveravam, e o modo como enfrentavam o sofrimento com esperança se tornava um poderoso testemunho. O teólogo Tertuliano, no século III, expressou isso com a famosa frase: “O sangue dos mártires é a semente da Igreja.”
Os evangelistas anônimos foram, e continuam sendo, a força vital da igreja. Eles mostram que o avanço do Reino de Deus não depende apenas de grandes nomes, mas da fidelidade de cada discípulo de Cristo, onde quer que esteja.
4. Desafios Externos: A História do Cristianismo e As Perseguições Romanas
O Conflito com o Império
Desde o início, os cristãos viveram em tensão com o Império Romano. Embora o Império fosse religiosamente tolerante, ele exigia lealdade expressa ao imperador, visto como figura quase divina. O culto imperial e o respeito aos deuses do panteão romano eram vistos como deveres cívicos.
Os cristãos, porém, recusavam-se a adorar o imperador ou a oferecer sacrifícios aos deuses, pois criam em um único Deus verdadeiro. Essa fidelidade exclusiva a Cristo — “Jesus é Senhor” — era vista como uma ameaça à ordem pública. Inicialmente confundidos com os judeus, os cristãos logo se destacaram como um grupo distinto e passaram a ser perseguidos como traidores e subversivos.
Os Principais Períodos de Perseguição que Marcaram a História do Cristianismo
Ao longo dos três primeiros séculos, a igreja enfrentou vários surtos de perseguição, alguns mais localizados, outros mais sistemáticos:
- Nero (64 d.C.): Após o incêndio de Roma, Nero culpou os cristãos como bodes expiatórios. Muitos foram presos, torturados e mortos de forma brutal — alguns foram queimados vivos, outros lançados às feras. Pedro e Paulo, segundo a tradição, foram martirizados nesse período.
- Décio (250 d.C.): Pela primeira vez, o império exigiu que todos os cidadãos do império prestassem culto aos deuses e apresentassem um certificado (libellus) comprovando o sacrifício. Muitos cristãos morreram como mártires; outros, com medo, negaram a fé, gerando grande crise interna na igreja sobre como tratar os aqueles que fraquejaram.
- Diocleciano (303–311 d.C.): Esta foi a perseguição mais intensa e organizada. Igrejas foram destruídas, Escrituras confiscadas e líderes presos ou mortos. O objetivo era erradicar o cristianismo, mas o efeito foi o oposto: a fé dos cristãos comoveu muitos, e a igreja saiu ainda mais fortalecida.
“O sangue dos mártires é a semente da Igreja.” – Tertuliano
5. Desafios Internos: Heresias, Boatos e Confusões Doutrinárias
As Acusações Pagãs
Além da perseguição política, os cristãos também sofriam com boatos e incompreensões populares. Por exemplo, por se reunirem em segredo, realizarem “rituais misteriosos” e usarem uma linguagem simbólica, eles eram frequentemente mal interpretados. Algumas acusações recorrentes incluíam:
- Canibalismo: Por falarem em “comer o corpo e beber o sangue de Cristo” na Ceia do Senhor.
- Incesto: Por se chamarem de “irmãos” e “irmãs” e praticarem o “ósculo santo”.
- Ateísmo: Por não adorarem os deuses do Estado.
Essas acusações geravam medo e hostilidade, aumentando o preconceito contra os cristãos.
As Heresias
Ao mesmo tempo, a igreja enfrentava ameaças doutrinárias internas, que precisavam ser enfrentadas para preservar a verdade do evangelho:
- Gnosticismo: Uma mistura de filosofia oriental e cristianismo, afirmava que o mundo material era mau e que a salvação vinha por um conhecimento secreto (gnose). Rejeitava a encarnação e negava a plena humanidade de Jesus.
- Marcionismo: Criado por Marcião, esse sistema rejeitava o Antigo Testamento e afirmava que o Deus criador era diferente do Deus revelado por Jesus. Marcião chegou a montar um “cânon” próprio, excluindo os evangelhos e cartas que falavam da continuidade com o judaísmo.
Essas heresias exigiram respostas firmes da liderança cristã, que passou a organizar a doutrina, refinar a teologia e formar um corpo de ensino sólido e coerente. Isso é especialmente importante de ser destacado, principalmente para aqueles que são contra a teologia, achando ser uma invenção moderna e desnecessária para a igreja.
6. A Resposta da Igreja Primitiva: Organização e Defesa da Fé
O Cânon
Com o crescimento das heresias e a multiplicação de escritos cristãos, surgiu a necessidade de definir quais livros realmente expressavam a fé apostólica. O processo de formação do cânon do Novo Testamento foi gradual e cuidadoso, guiado por três critérios principais:
- Apostolicidade: Escritos ligados direta ou indiretamente aos apóstolos.
- Ortodoxia: Fidelidade ao evangelho pregado desde o início.
- Uso litúrgico: Reconhecimento pelas igrejas e uso nas celebrações.
Ao final do século IV, os 27 livros do Novo Testamento estavam amplamente reconhecidos como Escritura inspirada.
Os Credos
Para combater heresias e declarar publicamente a fé, surgiram, assim, os credos, que eram confissões breves, memorizáveis e recitadas nas reuniões cristãs. Dentre eles, o mais antigo é o Credo Apostólico, usado no batismo. Mais tarde, o Credo Niceno (325 d.C.), surgido no Concílio de Niceia, foi uma resposta ao arianismo e afirmou claramente a divindade de Cristo.
Esses credos ajudaram a unificar a fé cristã e serviram como ferramenta pedagógica e apologética. Enfim, mais teologia sendo produzida na incipiente igreja primitiva. Essa é para aqueles que, mais uma vez, abominam teologia e rejeitam a relevancia das confissões de fé doutrinárias.
A Apostolicidade e a Sucessão
Outro aspecto importante foi a sucessão apostólica — ou seja, a continuidade dos ensinamentos dos apóstolos através dos presbíteros e bispos nas igrejas locais. A intenção era que a tradição fiel passasse de geração em geração, garantindo assim a proteção da igreja contra desvios doutrinários. Além disso, escritos de líderes como Inácio de Antioquia, Irineu de Lião e Tertuliano reforçavam essa continuidade como sinal de fidelidade à fé original.
7. Constantino e a Virada Histórica: Da Perseguição à Paz
A Conversão de Constantino
Segundo a tradição, na véspera da decisiva Batalha da Ponte Mílvia (312 d.C.), Constantino teve uma visão do símbolo cristão, acompanhado da frase: “Com este sinal vencerás”. Interpretando o acontecimento como um sinal divino, ele mandou inscrever o símbolo em seus estandartes. Logo após a vitória, atribuiu seu sucesso ao Deus dos cristãos.
O Édito de Milão (313 d.C.)
No ano seguinte, Constantino e Licínio promulgaram o Édito de Milão, garantindo liberdade religiosa a todos os cidadãos, com especial benefício aos cristãos. Esse decreto marcou uma virada histórica:
- As perseguições foram oficialmente encerradas;
- As igrejas passaram a funcionar abertamente;
- Líderes cristãos saíram da clandestinidade e foram reconhecidos publicamente;
- A fé cristã começou a se institucionalizar, ganhando espaço e influência nas estruturas do império.
Essa mudança não apenas garantiu paz à igreja, mas também deu início a uma nova era: o cristianismo passava de perseguido a parceiro do poder imperial.
Conclusão: Uma Fé Resiliente que Venceu pelo Testemunho
O cristianismo, que nasceu da cruz de um Homem em um canto marginal do Império Romano, triunfou não pela força da espada, mas pela força do testemunho. Que incrível isso!
Durante séculos, a igreja resistiu, apesar das violentas perseguições, calúnias e heresias, sempre preservando sua essência. Homens e mulheres comuns enfrentaram o martírio com coragem, sustentados por uma esperança inabalável. Foi exatamente esse testemunho — de fé viva, amor sacrificial e fidelidade doutrinária — que conquistou corações e mentes, inclusive entre os poderosos.
A convergência entre fatores históricos (como o helenismo, a Pax Romana e a infraestrutura do Império) e espirituais (como a missão apostólica, a preservação da doutrina e a firmeza diante da perseguição) pavimentou o caminho para que o evangelho se espalhasse até os confins da Terra.
A vitória do cristianismo não foi política — foi espiritual, histórica e inegavelmente providencial.
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Cristianismo Através dos Séculos: uma História da Igreja Cristã
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